quarta-feira, 31 de março de 2010

Saí da órbita humana (21/10/2009)

Ainda ouço, sim, vozes e música humana, mas são só lembranças.
Estou em meio ao deserto cósmico.
Imagens humanas ainda me aparecem...
Mas, onde estão os verdadeiros seres?
Sinto todos comigo, e não tenho ninguém...
Todos me amam; e correm de mim...
Gostariam de ser iguais a mim: diferentes, mas preferem ser iguais uns aos outros...
Estou em uma oficina, há onde sentar, mas não há onde reclinar a cabeça ainda.
No meio do deserto cósmico só pode haver oficinas e hospitais mesmo, lugares onde o trabalho e a vida tentam não acabar...
Algumas vidas ainda estão em mim: minhas filhas...
Em minha viagem cósmica, pouco antes de deixar a Via Láctea Humana – aquele seio materno do toque e do alimento – quem por último tentou me acompanhar foi um anjo...
Ainda tenho esperanças de que o anjo me alcance, pois sei que é o único ser capaz de acompanhar meus passos, pois voa mais que pássaros e borboletas...
Ontem esmaguei, acabei de matar um ca..., um calango verde que atravessava a rua da vida e que acabara de ser ferido de morte, atropelado pelo ônibus-máquina que engolira pessoas e as levava para onde não queriam.
O ca... agonizava, chegara a sua hora... Chorei por ele, pois antes, na hora do almoço, ele se alimentava perto de mim, muito lindo, sem medo de ser...
Eu não posso parar...
Não era possível ser de outra forma. Quando chega a hora, choro e riso se unem e dizem “adeus” juntos.
Escuto explosões cósmicas há bilhões de anos-luz.
Agora, as explosões de fora e as de dentro de mim são uma só, sintonizadas.
Estou sozinho junto com todo mundo, estou com todos, inclusive com ninguém.
“Meu caminho é cada manhã, não procure saber onde estou, meu destino não é de ninguém, eu não deixo meus passos no chão...”.
Não há chão no cosmos.
O deserto aqui não é composto de três elementos: céu, chão e eu, mas é composto dos elementos dentro e fora, e ainda não sei se o Terceiro Elemento necessário virá de dentro ou de fora.
Deus inventou o homem ou o homem inventou Deus?
Como sempre, não há a menor diferença entre uma e outra hipótese, tudo é fé, e mesmo que a fé em Deus seja fruto da fé humana, mesmo que Deus seja invenção, ainda assim é a invenção perfeita e o alucinógeno mais agradável.
Meu anjo, minha esposa, minhas filhas... Quem é quem? Tornarei a vê-las?
Acho que não com as mesmas faces...
Quem sabe da próxima vez o ônibus não me leve ao fim da linha?
Todos estão me aguardando por lá, mas há o risco de o ônibus não me pegar ainda, e de eu voltar a encontrar outro calango, quem sabe de olhos verdes-vida.
Calangos, anjos e ônibus...

Clóvison Elberth Alves – CLOVIN
Saúde & Equilíbrio / CCRB

Um comentário:

renata disse...

Puxa, os traumas da vida sempre geram frutos, mesmos que sejam bons textos...